Dr. Michael Laitman Para mudar o Mundo – Mude o Homem

Trinta E Cinco Séculos Mais Tarde, Ainda É Faraó Versus Moisés

De governantes do Egito nos tornamos seus escravos porque não queríamos ser judeus – unidos acima ódio.

Foto: Wikimedia Commons, Licença: N/A2017-04-09

Judeus cruzam o Mar Vermelho perseguidos por Faraó. Fresco da Sinagoga Dura Europos Foto: Wikimedia Commons

A história da libertação dos hebreus da escravidão tem capturado a imaginação de milhões de pessoas através da história. O Êxodo chegou a encarnar a luta do homem pela liberdade da opressão e injustiça. Mas há algo estranho no Êxodo: A Torá ordena que todos nós vejamos cada dia como se tivéssemos acabado de sair do Egito. Porque essa história é tão importante? Pode ser que debaixo do conto épico exista um significado mais profundo, enigmático?

Se olharmos para os textos dos nossos sábios ao longo dos tempos, na verdade vamos descobrir que o Êxodo do Egito detalha um processo que nós, como judeus, passamos, estamos passando novamente hoje, e que afeta a vida dos judeus e não-judeus no mundo inteiro. Se entendermos este processo melhor, vamos encontrar respostas para muitas das perguntas urgentes de hoje para os judeus: tais como a essência do judaísmo e por que há antissemitismo.

O Segredo de Abraão

Quando os irmãos de José foram para o Egito, eles tinham a melhor vida que alguém poderia imaginar. Com a bênção de Faraó, José era o governante de fato do Egito. “Tu estarás sobre a minha casa, e de acordo com o seu comando todo o meu povo fará homenagem”, disse Faraó a José. “Vê, eu tenho te constituído sobre toda a terra do Egito. …Eu sou o Faraó, ainda sem a tua permissão, ninguém levantará a mão ou o pé em toda a terra do Egito “(Gn 41: 40-44).

Sob a liderança de José, o Egito não só se tornou uma superpotência, mas também fez suas nações vizinhas escravas do Faraó, tomando seu dinheiro, terras e rebanhos (Gn 47: 14-19). No entanto, os principais beneficiários do sucesso do Egito foram os hebreus. Sabendo a quem ele devia sua riqueza e poder, disse o Faraó a José: “A terra do Egito está à sua disposição; instala seu pai e seus irmãos no melhor da terra, deixa-os viver na terra de Goshen [A parte mais rica, mais exuberante do Egito], e se você conhece alguns homens capazes entre eles, coloca-os no comando do meu gado” (Gn 47:6).

O segredo do sucesso de José foi sua linhagem. Três gerações antes, seu bisavô, Abraão, viu seus habitantes da cidade de Ur dos Caldeus perder sua estabilidade social devido ao ódio crescente entre seu povo. Em toda a antiga Babilônia, as pessoas estavam se tornando cada vez mais egocêntricas e alienadas umas das outras. Isso se manifestou de forma mais evidente nos esforços para construir a ambiciosa torre de Babel. O livro Pirkei de Rabbi Eliezer descreve como os construtores da torre de Babel “empurram para cima os tijolos [para construir a torre] a partir do leste, depois, desciam pelo oeste. Se um homem caísse e morresse, eles não lhe prestariam qualquer atenção. Mas se um tijolo caísse, eles se sentariam e se lamentariam, ‘Ai de nós; quando outro virá em seu lugar?’” Finalmente, o livro continua, os Babilônios “queriam falar um com o outro, mas não sabiam a língua do outro. O que fizeram? Cada um pegou sua espada e eles lutaram entre si até a morte. Na verdade, metade do mundo foi morto lá, e de lá eles se dispersaram por todo o mundo”.

Atormentado, Abraão refletiu sobre a situação dos seus conterrâneos e percebeu que a intensificação do egoísmo não poderia ser interrompida. Para superá-lo, ele sugeriu a seus conterrâneos aumentar a coesão de sua sociedade em sincronia com o crescimento do ego. No Mishneh Torah (Capítulo 1), Maimônides descreve isso com Abraão começando “a fornecer respostas ao povo de Ur dos Caldeus”.

O sucesso de Abraão chamou a atenção do rei da Babilônia, Nimrod, quem, de acordo com o Midrash (Bereshit Rabá 38:13) confrontou Abraão e tentou provar que ele estava errado. Quando o rei Nimrod falhou, expulsou Abraão da Babilônia. Conforme o expatriado vagou rumo à futura Terra de Israel, continuou a dizer às pessoas sobre sua descoberta e a juntar seguidores e discípulos. De acordo com a Mishneh Torah de Maimônides (‘Regras de Idolatria’, Capítulo 1:3), “milhares e dezenas de milhares reuniram-se em torno de Abraão. Ele estabeleceu esse princípio [da unidade como um antídoto para o egoísmo] em seus corações, compôs livros sobre isso, e ensinou seu filho Isaque. Isaque sentou-se e ensinou e informou Jacó, e designou-lhe um professor, para sentar e ensinar … E Jacó nosso Pai ensinou a todos os seus filhos”. No momento em que José chegou, ele tinha um método bem estabelecido para fomentar a estabilidade social e prosperidade através da unidade em face do crescente egoísmo e alienação.

Como As Tábuas Se Voltaram Contra Nós

Como vimos acima, o Faraó apoiou a unidade dos hebreus. Ele deu-lhe o melhor da terra do Egito exclusivamente para eles cultivarem a sua forma única de viver –incrementando continuamente a união – não só ininterrupta, mas com o seu total apoio. No final, aquela união única tornou-se a essência do judaísmo. Como o livro Yaarot Devashi (Parte 2 Drush no. 2) nos diz, a palavra “Yehudi” (judeu) vem da palavra “yihudi“, ou seja, unido.

Os problemas começaram quando José morreu. O Faraó, diz o livro Noam Elimelech, “é chamado de ‘a inclinação ao mal’”. Faraó não é simplesmente o egoísmo; é o epítome dele. Ele vai ser bom para você só enquanto você o servir. Quando ele disse a José, “Eu sou o Faraó, ainda assim, sem a sua permissão, ninguém levantará a mão ou o pé em toda a terra do Egito”, ele quis dizer que José governaria o Egito porque o Faraó sabe que a união compensa. Sem união, ele não teria nenhuma razão para dar qualquer favor especial aos parentes de José.

No entanto, após a morte de José, os hebreus não mantiveram sua unidade. Eles quiseram ser como os egípcios: egoístas. Mas eles não tinham a consciência de que ao fazê-lo, perderiam o seu favor aos olhos do Faraó e se tornariam o que os judeus sempre foram: párias. O Midrash Rabá (Êxodo 1:8) escreve: “Quando José morreu eles disseram: ‘Vamos ser como os egípcios’. Porque eles fizeram isso, o Criador transformou o amor que os egípcios possuíam por eles em ódio, como foi dito (Salmos 105), ‘Ele virou o coração deles para odiar o Seu povo, para abusar dos Seus servos’”.

O Livro da Consciência (Capítulo 22), escreve ainda mais explicitamente que se os hebreus não tivessem abandonado o caminho da unidade, não teriam sofrido. Depois de citar o Midrash que acabei de mencionar, o livro acrescenta: “O Faraó olhou para os filhos de Israel depois de José e não reconheceu José nelas”, ou seja, a tendência de se unir. E porque “novos rostos foram feitos, o Faraó declarou novos decretos sobre eles. Você vê, meu filho” o livro conclui, “todos os perigos, milagres e tragédias são todos provenientes de você, por causa de você, e por sua conta”.

Em outras palavras, o Faraó se voltou contra nós porque tínhamos abandonado o nosso caminho, o caminho da unidade acima do ódio, e queríamos deixar de ser hebreus. Ao longo da nossa história, as piores tragédias se abateram sobre nós quando queríamos deixar de ser judeus e abandonar o caminho da unidade. Os Gregos conquistaram a terra de Israel porque queríamos ser como eles e adorar o ego. Nós até fizemos a guerra por eles como judeus helenizados lutamos contra os Macabeus. Menos de dois séculos depois, o Templo foi arruinado por causa do nosso ódio infundado para com o outro. Nós fomos deportados e assassinados na Espanha quando queríamos ser espanhóis e abandonamos nossa unidade, e fomos exterminados na Europa pelo país onde os judeus queriam esquecer nossa unidade e se assimilar. Em 1929, o Dr. Kurt Fleischer, líder dos Liberais na Assembleia da Comunidade Judaica de Berlim, expressou com precisão nossos problemas de séculos: “O antissemitismo é o flagelo que Deus nos enviou, a fim de nos levar juntos e nos soldar juntos”. Que tragédia os judeus naquela época não terem se unido apesar da observação verdadeira de Fleischer.

Êxodo

Quando Moisés surgiu, ele sabia que a única maneira de salvar os hebreus era tirá-los do Egito, do egoísmo, que estava destruindo suas relações. O livro Keli Yakar (Êxodo 6: 2) escreve sobre Moisés: “O espírito do Senhor falou à filha do Faraó, para chamá-lo de Moshe (Moisés) da palavra ‘Moshech’ (‘puxar’), porque ele é quem puxaria Israel do exílio. “Isto é, como José antes dele, Moisés uniu as pessoas ao seu redor e, assim, os tirou do Egito.

Assim mesmo, após a sua saída, os hebreus estavam em perigo de cair de volta no egoísmo. Eles receberam seu “selo” como uma nação somente quando reencenaram o método de Abraão de se unir acima de ódio. Uma vez que se comprometeram a se unir “como um homem com um só coração”, eles foram declarados uma “nação”. No sopé do Monte Sinai, da palavra “sinaa” (ódio), os hebreus se uniram e cobriram desse modo seu ódio com amor.

Por sua unidade, Moisés restabeleceu o compromisso dos Hebreus com a unidade como um antídoto para o egoísmo. Essa tem sido a essência do judaísmo desde então, ou como o Velho Hillel coloca no Talmude: “O que você odeia, não faça a seu próximo; esta é toda a Torá” (Shabbat 31a). Ao cobrir seu egoísmo com amor e unidade, os judeus conseguiram superar as inúmeras provações e tribulações que suportaram desde o Êxodo e até a ruína do Segundo Templo. O Rei Salomão sucintamente formulou o princípio do judaísmo com um pequeno versículo em Provérbios (10:12): “O ódio suscita contendas, e o amor cobre todos os crimes”.

Faraó e Moisés dentro de Nós

Quando lemos a Hagadá, é uma boa ideia manter em mente que Faraó, José, Moisés, e todos os outros personagens não são mais do que partes da nossa história. Nós somos ordenados a lembrar o Êxodo do Egito todos os dias porque eles são, na verdade, partes de nós! Nós todos temos o Faraó, a inclinação ao mal, mas não temos suficiente Moisés e José dentro de nós, as forças da unidade. Nós somos arrogantes, individualistas e egoístas ao ponto do narcisismo. Nós perdemos nosso judaísmo, nossa tendência a se unir.

Em consequência, assim como os egípcios se voltaram contra os hebreus quando abandonaram o caminho de José, o mundo está se voltando contra nós hoje devido à nossa desunião. Não vamos encontrar soluções para o antissemitismo na supressão da falação antissemita. Isso não vai erradicar o ódio. Como O Livro da Consciência escreve na citação que acabamos de mencionar, “Você vê, meu filho, todos os perigos e todos os milagres e tragédias são todos de você, por causa de você, e por sua conta”. A nossa desunião cria, alimenta e sopra as chamas do antissemitismo.

Quando Abraão encontrou o seu caminho para superar o egoísmo, ele queria compartilhá-lo com todos. Da mesma forma, assim que os hebreus se tornaram uma nação, receberam a tarefa de ser “uma luz para as nações”. Dito de outro modo, lhes foi ordenado trazer unidade ao mundo e completar o que Abraão tinha começado. Mas para conseguir isso, é preciso primeiro sair do nosso Egito interior, a regra do Faraó dentro de nós, e escolher o caminho de José e Moisés, o caminho da unidade. Moisés sabia o que Abraão queria ter alcançado e tentou fazer o mesmo. Ramchal escreveu em seu comentário sobre a Torá que “Moisés desejou completar a correção do mundo naquela época. No entanto, ele não teve sucesso por causa das corrupções que ocorreram ao longo do caminho”. Assim, no final do dia, ser judeu significa seguir o caminho de Abraão e Moisés, o caminho da unidade, responsabilidade mútua e fraternidade. Quando buscamos a unidade, somos judeus. Quando buscamos outros objetivos, não somos.

A Festa da Liberdade

Pessach é a festa da liberdade. No entanto, não podemos ser livres, já que somos escravos de nossos egos. A libertação do Faraó significa liberdade da inclinação ao mal: do desejo de prejudicar, de ser arrogante, e de oprimir os outros. Nós estamos muito longe disso. Enquanto permanecermos desta maneira, não devemos esperar que o antissemitismo diminua. Pelo contrário, ele só vai crescer, porque, como eu disse acima, o nosso egoísmo cria, alimenta e admira-o.

Se quisermos celebrar um Seder adequado, devemos colocar nossas prioridades na ordem certa: a nossa unidade vem em primeiro lugar, e todo o resto segue. Que possamos discordar sobre política, questões LGBT, Israel ou assuntos de família. Mas se não nos juntarmos acima de nossas divergências, estamos errados, independentemente da nossa posição. Assim como uma mãe ama seus filhos, independentemente de seus traços, crenças e ações, temos que encontrar uma maneira de começar, pelo menos, a marchar em direção uns dos outros. Este será o início de nossa libertação do Faraó interior.

Este ano, enquanto discutimos a história de nossos antepassados, vamos também pensar nos antepassados dentro de nós, as forças do egoísmo ou conexão e fraternidade –  a qual delas estamos atendendo, e a qual delas devemos estar atendendo.

Eu desejo a todos feliz e kosher (livre de ódio) Pessach.

Publicado originalmente no Haaretz

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